MAIS VALE SÊ-LO DO QUE PARECÊ-LO

Ou o drama do receber meio milhão num “País de invejosos”

A nova secretária de Estado do Tesouro, Senhora Engª Alexandra Reis, recebeu uma indemnização da TAP de cerca de € 500K, por cessação antecipada do cargo de administradora executiva.

A Senhora Engª Alexandra Reis ingressou na TAP, em setembro de 2017. Três anos depois foi nomeada administradora da companhia, auferindo cerca de € 245k ilíquidos por ano, o que correspondia a um salário de € 17,5K por mês.

Em fevereiro passado, ao fim de dois dos quatro anos de mandato, a agora secretária de Estado renunciou ao cargo, logo a metade do prazo de terminar o contrato e a uns meros 10 meses de entrar no Governo da República Portuguesa... coincidências!

Face à sua saída, o acordo entre a TAP e a Senhora Engª Alexandra Reis terá mantido o valor da rescisão em € 500K, face ao tempo que ainda lhe restava na companhia aérea de “bandeira”.

Acontece que, quatro meses depois, em junho, a nova secretária de Estado do Tesouro foi nomeada pelo Governo para a presidência da Navegação Aérea de Portugal — NAV Portugal (NAV). Tanto a TAP, como a NAV são tuteladas pelos Ministérios das Finanças (ao qual ela agora pertecence) e das Infraestruturas.

A Senhora Engª Alexandra Reis saiu, entretanto, da Navegação Aérea de Portugal e é, desde o início do mês, secretária de Estado do Tesouro... imagine-se!

Instado a comentar o caso, o Presidente da República, Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, começou por dizer que "há quem pense" que seria "bonito" a secretária de Estado do Tesouro prescindir da indemnização da TAP, ainda que a lei permita receber os € 500K e exercer funções governativas (mais tarde, até ele acabará por emendar a mão).

Acho extraordinário toda esta situação, atendendo que há apenas um ano, a Comissão Europeia aprovou o plano de reestruturação da TAP e a ajuda estatal de € 2.550M à companhia, que houve despedimentos colectivos e que os trabalhadores que se mantiveram tiveram cortes salariais de 40% (quarenta por cento)...

Já a oposição, essa, qual Caifás, veio logo a terreiro rasgar as suas vestes denunciando que “Ela havia blasfemado!” Contudo, estou profundamente convencido que, no lugar dela, sem falsos moralismos, teriam feito exatamente a mesmíssima coisa!

Já eu penso que, em Portugal, haverá uma miríade de questões a discutir na política e na sociedade portuguesa, e muitas delas estão mais no plano da lei do que no plano da ética.

E a ética é muitíssimo mais exigente do que a lei, ou seja, as ações podem ser inteiramente legais, mas não serem éticas!

Um exemplo disso é termos uma secretária de Estado que integra um Governo que escolheu o próprio Conselho de Administração do qual ela sai. Espantosamente parece tudo estar dentro da legalidade, contudo, há um desvario em relação à má gestão dos dinheiros públicos.

Em Portugal espantosamente alguns acham que basta ser legal para se cumpram todas as condições. Melhor até, basta apenas cumprir aquilo que estava acordado!

O plano ético, mesmo que não suportado por qualquer lei, parece aqui ser meramente adjacente...

Acontece que, em qualquer domínio e sobremaneira na coisa pública da República, a separação não é tão-só entre a legalidade e a ilegalidade, mas também entre ter ética ou falta dela.

Por isso e bem, a norma jurídica abstrata vai absorvendo cada vez mais requisitos e exigências éticas. A consciência de uma pessoa eticamente justa é mais exigente do que o produto de um avisado legislador, porque a lei não esgota a ética e é, somente o seu limite inferior. Assim sendo, a lei deve ter sempre subjacente um mais escrupuloso contrato moral.

Nem tudo o que a lei permite se nos deve impor, e há coisas que a lei não determina, mas que se nos devem impor.