O QUINTO DOS INFERNOS

 

A expressão “Quinto dos Infernos” ainda hoje usada frequentemente, sobretudo no Brasil, quando alguém quer amaldiçoar outrem, mandando-o para longe, ou para se referir a um lugar recôndito.

A origem da expressão prende-se com o imposto de 20% (ou a quinta parte) do peso do ouro, cobrado no século XVIII das cidades mineradoras do Brasil Colónia pela Fazenda Pública.

Entende hoje o “mainstream” da Academia brasileira que “o apetite fiscal da Coroa Portuguesa era de tal forma voraz quanto a dificuldade em quitar suas dívidas com a Inglaterra. Portugal pouco produzia além de vinhos e de quinquilharias. Comprava dos britânicos quase tudo o que consumia.”

Chega a ser patético a leitura distorcida dos factos históricos, toldada pela concepção marxista na qual a História nada mais é do que um incessante processo de desenvolvimento de forças produtivas e de relações de produção. Karl Marx inverteu a lógica até então aplicada e colocou o trabalho como factor fundamental deste processo, ou seja, baseou a sua explicação (como aqui se vê) para as relações sociais em pilares meramente economicistas.

De lembrar que o ouro que foi extraido no Brasil, entre outras obras (inclusive na próprio Colónia), serviu para construir o Aqueduto das Águas Livres, uma vez que preocupado com a falta de água na cidade de Lisboa, em 1731, o Alvará Régio do rei D. João V ditou o início deste grandioso projecto.

Dos muitos académicos escolhi o Prof. Doutor Fernando Antônio Novais, historiador, pesquisador, professor universitário e escritor brasileiro. É Professor emérito da famosa USP e que ao longo da sua extensa obra "explica" que o sistema colonial português estava montado para produzir lucros de monopólio destinados a estimular a "acumulação burguesa das economias europeias".

Fantástico!

Mais, “o Estado português na crise do antigo sistema colonial no último quartel do século XVIII, com a qual se abre o segundo ato da epopeia portuguesa nos trópicos”.

É nesta linha de pensamento que este distinto historiador, com vocação de doutrinador dos seus alunos, se revela com maior nitidez. Passo a citá-lo:

Defender o patrimônio, preservar o exclusivo e, na medida do possível, assimilar os estímulos oriundos da colônia, tornaram-se as palavras de ordem para o enfrentamento da crise. A eufêmica defesa do patrimônio significava, de fato, a defesa dos territórios coloniais do modo mais substantivo possível. A defesa militar e o combate à apropriação ilegal de suas riquezas por via do contrabando, reforçando através de uma série de medidas a defesa do exclusivo. Necessidades acompanhadas por uma política de Estado que visava à reconfiguração administrativa e fiscal do Império, traduzida numa renovada política direcionada à colônia, que tinha por finalidade integrar a agricultura colonial aos esforços de industrialização perseguidos pela política econômica pombalina.

Agora, voltando ao "mainstream" da actual Academia Brasileira, o Brasil foi ocupado ilegitimamente quando avistado, em 1500, por Pedro Ávares Cabral.

Isto porque, nos últimos anos, inserida numa linha de pensamento marcadamente de esquerda e, na minha modesta opinião, enquadrado numa determinada agenda sociopolítica, temos assistido a um verdadeiro "dictatum" por parte da generalidade da Academia Brasileira, onde expressões como “descobrimentos”, tem vindo paulatinamente a ser substituídas por “achamento” ou mais recentemente por “conquista” para determinar aquilo que foi a intervenção de Portugal no Brasil quinhentista.

Então, hoje, a Academia Brasileira fundamenta a sua tese que na realidade os “descobrimentos”, foram antes uma “conquista” seguida de “genocídio” basicamente em três pontos fundamentais. A saber;

Quando os Navegadores Portugueses chegaram ao Brasil estes territórios; 1) já eram habitados por povos indígenas que há muito aqui viviam; 2) possuindo idiomas próprios; 3) e com culturas únicas. Importará aqui realçar que não estamos a falar propriamente de civilizações pré-colombianas (vg. Maias, Incas ou Aztecas) por não terem, nomeadamente, um tão elevado conhecimento de engenharia, astronomia, agricultura, nem eram detentores de estruturas político-administrativas que se assemelhassem minimamente, mas mesmo assim tinham algum grau de desenvolvimento civilizacional e sobretudo porque eram também seres humanos!

Defende tal tese que a intervenção portuguesa não passou, portanto, de uma simples “conquista” visto que se concentrou, apenas e só, em expulsar, dominar e/ou submeter os povos indígenas com intuitos meramente “expansionistas” não havendo, por isso, uma verdadeira “descoberta” territorial.

Será esta tese verdadeira e fará sentido face ao que foi a história? Será que a utilização do termo “descobrimentos” é errado face ao que se passou? Vejamos então;

Em termos formais a utilização do termo “descobrimentos” sempre foi utilizado para designar verdadeiras conquistas. Veja-se o que fizeram os Espanhóis na chegada ao continente americano, os Ingleses na Oceânia ou também a intervenção holandesa no continente americano. Retirando casos muito excecionais em que as potências europeias e outras chegaram a ilhas inabitadas, em todos os outros casos todos os territórios “descobertos” tinham uma população nativa que foi submetida pela força exercida pelas potências colonizadoras.

Então o que distingue os “descobrimentos” de qualquer outra “conquista”? O que por exemplo distingue a “conquista” de Constantinopla, em 1453, da “descoberta” do Brasil em 1500? O que as distingue é a conceptualização dos factos e daí a necessidade de utilizar outra terminologia e termos diferentes para descrever situações em tudo diversas.

A utilização do termo “descobrimentos” para o Brasil e outros territórios deve-se ao facto de na altura da chegada das potências colonizadoras a existência do território em questão não ser do conhecimento público Internacional da época. Porque, goste-se ou não, numa perspectiva europeia/ocidental, até Cristóvão Colombo, sob as ordens dos Reis Católicos de Espanha, a 12 de Outubro de 1492, ao deparar com um continente, a que batizou de América, estes territórios eram desconhecidos para a Comunidade Internacional de então.

Se materialmente podemos até falar que o que se passa posteriormente nesses mesmos territórios é muito idêntico a um cenário de conquista, na verdade para a comunidade internacional dos séculos XVI e XVII é uma situação totalmente diferente. Aliás, tais situações não podem, nem devem ser confundidas com verdadeiras conquistas como o caso de Constantinopla em que para além dos efeitos práticos e civilizacionais também existiram efeitos de reacção política imediata nas dinâmicas da comunidade internacional da época.

E aos olhos de hoje atendendo ao que aconteceu não devemos mudar a expressão?

Não, em minha opinião! Porque trata-se de mera semântica que em nada contribui para uma análise correcta da história. O impacto político e social de um “descobrimento” é totalmente diferente de uma “conquista” em toda a sua génese. Fazermos isso, alterando a denominação de uma realidade só para ser “politicamente correcto” é, segundo a minha perspectiva, errado e esquece (aí sim) a história da dinâmica, da política e da sociedade pertencente à comunidade Internacional daquela época histórica em particular.

Aqui, pelo menos eu, não pretendo escrever a história conforme mais me convém, nem por forma a melhor se “encaixar” numa nova narrativa política...

Não quer isto dizer que utilizar a palavra “descobrimento” seja ignorar os fenómenos decorrentes da ocupação daqueles territórios, nem tão pouco as chacinas efetuadas sobre as populações autóctones. Estes factos podem e devem ser estudados com toda a profundidade! Sem preconceitos, sem subterfúgios, sem susceptibilidades, mas também sem ingerências de agendas políticas ou com as condicionantes impostas pelo “politicamente correcto” para os diferentes fenómenos existentes.

Porque a história não pode ser alterada, razão pela qual o seu estudo deve ser sério e buscar apenas e só a verdade ou então é melhor que o convém à narrativa política do Prof. Fernando Novais.